O Gole

Estou sedento, corpo em chagas, fraco. Lá do alto avisto uma propriedade, seria uma miragem? Com força levo meu corpo até o monte em que o sol queima na paisagem. Em meio ao fogo, me vem um velho e com um singelo sorriso me interpela:

- Você parece sedento rapaz, aceita água?

Minha boca mais parecia como espumas e meu estômago dava voltas de enjoo seguidas como uma onda. A água demora, parece vir a galope, lenta e temerária como quem tem medo de ser devorada por lábios secos e rochosos comidos pelo seca e a saliva espumante e ainda não ser o bastante para aquela boca, um corporativismo simbólico do sacrifício de ser deglutida.

O velho chega com seu sorriso dourado, segurando o copo gelado como quem não espera o saciar, mas o gole que levará a minha queda ao solo, meu corpo se ajoelha para gole que irá matar a sede. 

Escorrendo, derramando pelos cantos a água mais se perde por entre caminhos se alastra pelo corpo tanto por dentro como por fora, uma limpeza d'alma e do couro em sal pelo sol que pelava em meu lombo. 

Sinto o corpo ter calafrios, me imagino com cores fortes e meio a um arco-rubro que incendeia o céu e me em brasa os olhos como quem quisesse dar uma visão que se confundia ao fim do dia, nauseante e que me envolvia no ar como me jogando para um destino sem volta.

Vejo antenas saindo da garrafa, direcionando seus pés em meu peito e me afogando com vingança, seu olhar parece faminto e se aproveita para saciar de mim. Começa pelos pés e vai me bebendo com seus dentes, sua antena balança e se mastiga os braços, logo sou devorado como um banquete cru a espera da digestão.

O velho sorri como se estivesse vendo um show, seu sorriso milharal se entrega a gargalhada fatal do devorar singelo do ser. A água me bebe como cachoeira, me entorna pelos cantos e me expele pela boca com um grito de eco que remete a macabro.

Fui sendo esquecido pelo gole de resto, estava no fundo como aquele esguicho, um sorriso surge na garrafa, agora já era tarde, era eu quem seria sede da minha vontade.