A Representação do Trabalho em Na Escuridão Miserável, de Fernando Sabino
INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende
estudar a representação do trabalho, precisamente, em Na Escuridão Miserável
de Fernando Sabino. A escolha desse tema tão específico e delimitado não se faz
ao acaso, tendo em vista a natureza do conteúdo e questões por ele trabalhadas
e a condição dos trabalhadores historicamente estudadas.
Em um primeiro ponto, os relatos
e as visões do trabalho em meio à perplexidade oferecida pela leitura da
crônica que nos remete a uma realidade recente no universo literário, pois já
são conhecidos estudos no meio acadêmico sobre a cidadania regulada, sua
constituição e desenvolvimento. Há de se citar o livro de Adalberto da Costa A
Construção da Sociedade do Trabalho No Brasil, onde se discute o processo
de formação do cidadão por meio do trabalho e sua constituição. Ao pensar num
panorama histórico mundial, mas que desemboca no Brasil há de se citar Edgar de
Decca em o Nascimento das Fábricas onde autor manifesta a coerção e
disciplina como princípios já instaurados nas feitorias brasileira por parte
dos conquistadores europeus aos escravos de origem africanas oriundos dessa
situação terrível que foi o processo colonizador brasileiro.
O segundo ponto seria a discussão
cultural do tema como na música “Meu Guri” de Chico Buarque de Holanda que
narra a história de um pai orgulhoso da ascensão social ocorrida pelo filho em
meio ao caos da vivência no espaço de marginalização que se encontra as
comunidades, virtude essa, alicerçada na música, pelo viés do trabalho. O filme
“Pixote” de que mostra o cotidiano da marginalização, delinquência e ausência
de políticas públicas para com as crianças e os adolescentes, sendo estes
seduzidos por crimes, drogas, e o submundo das grandes cidades, retirando a sua
áurea e inocência até que sejam estatísticas na contabilidade do Estado que
assim, promoviam seu extermínio. Mais exemplos poderiam ser citados como em
novelas, romances, teatro, musicais entre outas produções culturais que
abordaram e discutiram o espaço da criança e do adolescente na sociedade
brasileira seja pelo abandono ou a imputação de valores e condutas,
principalmente após a ditadura militar.
O terceiro ponto ao pensar a
sociedade brasileira na década de 70 percebe-se a contradição inserida,
primeiro o crescimento e a transformação do Brasil no meio urbano. Logo, a
urbanização das grandes cidades trouxe disparidades e acesso negado a uma
grande parcela da população, o trabalho realizado pelas domésticas sofria a
pauperização e condições sub-humanas com grande degradação e humilhação por
parte da burguesia e da classe média. A parcela pobre, que em sua grande
maioria era negra, sofria ainda os reflexos do período pós escravidão mesmo com
quase um século de distância da Lei Áurea, portanto, as relações sociais ali
estabelecidas apontavam para uma terrível situação em que a sobrevivência se
fazia necessária frente ao desejo de avanço. Este esbarrou em contradições e numa
burocracia que permitia ainda mais uma sujeição para com esses fatores
descritos, em suma, a humilhação e falta de sensibilidade para com quem estava
à margem, no caso da crônica, a criança.
2
METODOLOGIA
Em Fundamentos
de Metodologia Científica, de Marina de Andrade Marconi e Eva Maria
Lakatos, há a apresentação das principais questões e problemáticas que são
trabalhadas dentro do conhecimento científico e assim definem, “A especificação
da metodologia da pesquisa é a que abrange maior número de itens, pois
responde, a um só tempo, às questões como?, com quê?, onde?, quanto?” (LAKATOS
& MARCONI, 1985, p.221). As hipóteses são levantadas ao princípio, após
esse primeiro passo, o trabalho ganha corpo e passa a compreender e analisar o
objeto e, dada a curiosidade que este apresenta e as hipóteses reformuladas a
cada passo, a necessidade de um método científico mais específico se faz ímpar.
A
metodologia de pesquisa é o a maneira pela qual o projeto será estudado e
inserido. Para tanto, a importância de indicar métodos que auxiliem o projeto
como entrevistas, dados, uso de livros, levantamentos bibliográficos,
documentos estes que compõe a ação de uma pesquisa. Por meio de métodos
dedutivos, hipotéticos, fenomenológicos, estruturais, dialéticos e etc., o
pesquisador pode perpassar o delimitar que mais lhe agrada para com o objeto
trabalhado.
3 A Crônica a
Sociedade
O desenvolvimento
intenso da imprensa, o barateamento de sua produção e o aumento da
alfabetização trouxeram modificações crescentes no panorama mundial. As pessoas
liam mais e tinha no jornal a fonte mais fresca de notícias e acontecimentos
relacionados ao cotidiano. Foi através do jornal que histórias, tragédias,
vitórias, situações inusitadas e despedidas ocorreram ao redor do século XX. O
Brasil não foi diferente, porém viu esse processo demorar um pouco mais para
ser efetivo, pois esse se deu fruto da expansão urbana que ganhava contornos
mais decisivos na década de 50 e 60.
Como fruto da imprensa, a crônica no Brasil surge em meados do século
XIX. No século XX, a crônica ganha um tom maior de denúncia em seu princípio,
destacando casos sociais, calamidades naturais e condições desiguais com textos
bem curtos e sintéticos que não passavam de algumas poucas linhas. Contudo é
somente na década de 50 que a crônica ganha o patamar de uma categoria pela
necessidade e o interesse em explorar o cotidiano,
Por meio
dos assuntos da composição aparentemente solta, do ar de coisa sem necessidade
que costuma assumir, ela se ajusta à sensibilidade de todo o dia.
Principalmente porque elabora uma linguagem que fala de perto ao nosso modo de
ser mais natural. Na sua despretensão, humaniza; e esta humanização lhe
permite, como compensação sorrateira, recuperar com a outra mão uma certa
profundidade de significado e um certo acabamento de forma, que de repente
podem fazer dela uma inesperada embora discreta candidata à perfeição. (CANDIDO, 1992, p.6)
Grandes escritores
passaram a escrever para as páginas de jornais e em relevância, Carlos Drummond
de Andrade, Rubem Braga, Rachel de Queiróz, Paulo Mendes Campos e Fernando
Sabino e este último será o tratado por este artigo. O livro apresenta
histórias que se confundam com a solidificação da classe operária e como esta
possui uma percepção da sociedade e criando uma representação por meio desta.
3.1 Disciplina e Cidadania
Como efeito da
organização e da sistematização do pensamento, a disciplina faz parte do
processo racional do ser humano. Sem a disciplina, a espécie humana estaria
fadada a condições mais difíceis para sua sobrevivência, pois é dada a essa
disciplina que a produção, a sobrevivência e a existência se fizeram mais
fáceis. Em um exemplo mais tranquilo, a disciplina em caçar, pescar para
alimentação, organização de rotinas ou exercícios trazem benefícios ao
praticante dessa seja de forma mais rápida ou demorada dada a necessidade
dessa. Contudo é no processo de formação pré-capitalista e posteriormente no
capitalismo, a disciplina ganha uma distinção, um processo de coerção e ação
que beneficie o colono ou o burguês. O historiador Edgar de Decca em seu livro O
Nascimento das Fábricas aponta que o uso da disciplina que seria implantada
nas fábricas europeias já se encontrava em solo brasileiro
a
disciplina requerida e legitimada por um código não poderia resolver
totalmente o problema da integração do escravo na economia do engenho, uma vez
que a coerção só poderia se dar para a execução de tarefas reconhecidamente
possíveis de serem realizadas por escravos considerados boçais ou ladinos. Era
preciso, portanto, que através de uma relação de extrema autoridade (as penalidades
previstas no código) o escravo introjetasse uma disciplina de rotina de
trabalho na execução de tarefas de produção e outras complementares à vida do
engenho. Em outros termos, era preciso submeter o escravo ao cumprimento de
tarefas consideradas rotineiras no engenho e mensuráveis quantitativamente. E,
por isso mesmo, a produtividade do trabalho escravo era decorrente da eficaz
aplicação do controle disciplinar, esteve sim o elemento capaz de garantir que
o sistema não desmoronasse. (DECCA, 1982, p.53)
O autor coloca bem a questão da disciplina e como essa
foi o tripé de manutenção do sistema escravista no Brasil. A observação também
se faz em outro país, Estados Unidos, como observa acerca da produção do
escravo nas fazendas de algodão “quando era lucrativo explorá-las
como se fossem homens, eram vistas como desprovidas de gênero; mas, quando
podiam ser exploradas, punidas e reprimidas de modos cabíveis apenas às mulheres”
(DAVIS, 2016, p.25). A utilização da força, da coerção, da exploração sexual ou
corpórea foram decisivas para uma disciplina sistêmica e produtiva ao longo do
processo escravocrata e posteriormente, como mais refino, implementadas nas
nascentes fábricas no Velho Continente.
Com
a diminuição da força repressiva colonial, os movimentos de independência, constituição
nacional e os avanços nas técnicas pelos meios de produção, a escravidão como
forma de trabalho e mercadoria chegaria ao fim. Isso, evidentemente, não se deu
somente pelo desejo humanista que se desenvolvia nas em algumas pessoas ao
passar do tempo, mas também, em muito, pelo desenvolvimento e consolidação do
modo de produção capitalista que devolvia uma capacidade ilimitada à
mercadoria, valores de troca a quem produzia e situações precárias aos
submetidos nessa nova lógica de organização e disciplina. Com o passar do
tempo, as lutas tanto nos países imperialistas e nos subordinados se dera por
fatores distintos, no primeiro a luta se deu para maior força e sobrevivência
da classe trabalhadora que ao redor do século XIX e XX se organizam, realizam
greves, ações de danos e constituição de exigências a serem atendidas; nos
países subordinados a luta se deu por condições melhores seja de vida, da
organização de produção em meio rural e a cidadania como colocado por (COSTA,
2019, p.187) ”(...)
quando incorporados à indústria, num processo que combina, em geral, mobilidade
geográfica e mobilidade social, tendo, portanto, grande potencial para afetar a
totalidade da vida das pessoas envolvidas.”, no caso brasileiro, a
mediação será colocada pelo Estado como forma regulada de acesso ao trabalho,
O conceito de “cidadania regulada”,
para mostrar que ela constituiu uma promessa de incorporação social das
massas até então desdenhadas pelo processo de construção da nação, promessa de
grande impacto sobre os projetos, esperanças horizontes de expectativas e sobre
a práxis das populações que vivem do trabalho no país, de duradouras consequências
para a sociabilidade desigual. (COSTA, 2019, p.202)
A promessa
se limitou a certos pontos e inclusão foi parcial, aqueles que a conseguiram
sentiram as benesses efetivas dessas, àqueles que não a conseguirem, a condição
de informalidade existência se constitui à margem desse processo como poderemos
ver na análise que será feita no próximo tópico.
4 A Representação
do Trabalho em Na Escuridão Miserável
A palavra trabalho revela inúmeras
interpretações e constituições em suas variadas abordagens, desde a física, a
filosofia até passar pela sociologia, a palavra foi aplicada para a explicação
de fatores e ações seja num corpo, numa massa ou uma grandeza. As abordagens
têm em comum a ação do trabalho que, pelo viés sociológico, terá o seu
desenvolvimento estudado no projeto em referência à representação desta pela
classe operária.
O trabalho é
um fenômeno recorrente na sociedade capitalista, seja no ato de sua realização,
execução ou depredação, este conceito foi enriquecido com inúmeros estudiosos
dedicados à temática. Um pesquisador que desenvolveu uma discussão sobre
trabalho foi István Mészáros que em A Teoria da Alienação em Marx, um
livro que discute e atualiza o conceito marxista de trabalho no Século XX. O
autor coloca as condições referentes ao conceito de Marx
A primeira dessas características do “trabalho alienado” expressa
relação do trabalhador com o produto do seu trabalho(...) A segunda, por
sua vez, é a expressão relação de trabalho com o ato de produção no
interior do processo de trabalho, isto é, a relação do trabalhador com a sua
própria atividade como atividade alheia que não lhe oferece satisfação (...) O
terceiro aspecto — a alienação do homem com relação ao
seu ser genérico — está relacionada com a concepção segundo a qual o
objeto do trabalho é a objetivação da vida e da espécie humana, pois o
homem “se duplica não apenas na consciência,
intelectual[mente], mas operativa, efetiva[mente], contemplando-se, por isso, a
si mesmo num mundo criado por ele”(...) (MÉSZARÓS, 2006, p. 20).
A
representação do trabalho pelo autor se insere na crônica na busca pela
efetivação de sobrevivência pelo trabalho, em suma, uma necessidade “a
madame pediu para eu carregar as compras e aí noutro dia pediu à mamãe pra eu
trabalhar na casa dela então mamãe deixou porque mamãe não pode ficar com os
filhos todos sozinhos” (SABINO, 1987, p. 137), a essa, a condição de trabalho
se assemelha uma formação subalterna e inserida em afazeres considerados penosos
para as classes mais altas, aqui inserida até por um termo em francês madame
ou senhora em português. Esse trabalho costurado à margem da formalidade
que mais se parece com um processo de servidão traz consequência terríveis de
sobrevivência aos cidadãos que optam por essa prática.
Em a Ralé Brasileira, Jessé
Souza aponta as dificuldades e inserções de ascensão do trabalho, num capítulo
específico da obra, dois autores irão trabalhar um aspecto da desqualificação
desse trabalho que se mostra,
Em
um determinado momento da vida, que geralmente chega cedo, essas pessoas sentem
na pele que sua realidade de classe oferece apenas duas opções: o caminho
“torto” do crime e da violência, como disse um vizinho de Alberto, ou a fuga
constante desse caminho pela trilha do trabalho desqualificado, último da fila
da dignidade. O motivo: a sociabilidade familiar não permitiu a aquisição das
habilidades emocionais e cognitivas necessárias ao sucesso na escola e no
trabalho. (MACIEL&GRILLO, 2009, p.246)
As relações de
trabalho inseridas desde cedo em conjunto ao processo de pauperização, levam a
uma busca que alheia a pessoa de se emancipar ou se tornar um cidadão. O oceano
construído nos apresenta tormentas e condições terríveis de sujeição a um
trabalho desde cedo com obrigações e deveres como se insere na passagem “Pela
sua resposta pude entender que trabalhava na casa de uma família no Jardim
Botânico: lavava, varria a casa, servia a mesa. Entrava às sete da manhã, saía
às oito da noite.” (SABINO, 1987, p.136), uma disciplina imposta para sua
sobrevivência por via do trabalho desqualificado perpetrado como processo de
não se constituir como um indivíduo estabelecido e com gozo em seus direitos e
desejos, fornecido de ações que o emancipem e, pelo contrário, o alienam de sua
condição social humana.
As contradições podem ser destacadas
em inúmeros pontos como a localização da personagem que é colocada como,
“perdeu-se logo na escuridão miserável da Praia do Pinto” (SABINO, 1987, p.137)
em contraste com a moradia da madame “Pela sua resposta pude entender
que trabalhava na casa de uma família no Jardim Botânico” (SABINO, 1987,
p.136). O grifo destacado se coloca na percepção do autor que a criança realiza
um trabalho e isso parecia constituir algo comum naquele tempo, pois se trata
de um texto datado de questões à sua época. A colocação do direito da criança e
o acesso dessa por políticas públicas, sociais e de acolhimento é bem recente
em nossa história com a entrada da Constituição de 1988 e o desenvolvimento do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que fora criado em 1990 e promovia o
acesso da criança e do adolescente a sua realização como indivíduo nessa
sociedade, uma promoção que ganha contornos de modificação, por interesse do
capitalismo, na inserção gradual do adolescente na prática assalariada por meio
de programas que dão a entender a necessidade do trabalho como sobrevivência e
não como emancipação e constituição da consciência do indivíduo, portanto, uma
necessidade de sobrevivência que se dá por meio, não como exclusivamente por
esse.
Outra menção importante está na colocação dos
filhos do narrador “Eu não me continha mais de aflição, pensando nos meus
filhos bem nutridos(...)” (SABINO, 1987, p.136), demonstrando as facilidades
para quem se encontrava na realização por meio da segurabilidade ofertada pelo
trabalho, logo um trabalho produtivo. Esse trabalho não é descrito na crônica,
mas o que se percebe é um trabalho que promove condições de alimentação,
moradia, benesses para lazer ou algo pessoal e até aquisições materiais “Eram
sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico” (SABINO,
1987, p.135), compreendendo que o período descrito e em paralelo sendo o
escritor o autor pelo caráter narrativo em primeira pessoa, podemos traçar que
o seu trabalho era um trabalho com boa aquisição de recursos, para pensar isso
cabe uma citação sobre,
Portanto,
o trabalho produtivo, onde se encontra o proletariado, no entendimento
que fazemos de Marx, não se restringe ao trabalho manual direto (ainda
que nele encontre seu núcleo central), incorporando também formas de trabalho
que são produtivas, que produzem mais-valia, mas que não são diretamente
manuais (ANTUNES, 1999, p.102)
Considerando
o trabalho intelectual como privilegiado dado a condição da prevalência da
técnica no trabalho, o narrador se coloca numa posição cobiçada. Pois há
dedicação de um trabalho que pode promover as suas necessidades e as de outrem,
sem o apelo incisivo a outras formas como o popular bico. Com a análise
apresentando aspectos sociais passados e as condições pelas quais esses foram
realizados, será realizada as considerações finais com observações e
apontamentos referentes ao artigo.
Considerações Finais
O pretendido artigo buscou trabalhar
as questões inseridas em relação a representação do trabalho na crônica “Na
Escuridão Miserável” de Fernando Sabino. O intento trabalhado e sua designação
ofertada apresentam as demandas sociais inseridas no texto e não o aspecto
literário do mesmo, uma vez por se tratar de uma análise sociológica. Carece, a
princípio, uma análise sociológica com o viés da crônica, algo que já se
encontra no romance para citar um exemplo. Alguns fatores podem ser observados
para tal, o intenso desejo em colocar a crônica como algo menor ou sem a
delimitação grandiosa da literatura e da observação artística, um outro fator é
o seu aspecto “perecível” em função do meio em que é público, o jornal. Mesmo
numa época recheada de grandes escritores que migraram para os jornais em busca
de melhores remunerações e popularização do seu prestígio, a crônica foi alçada
a algo menor em particular ao um universo cotidiano.
O
resgaste desse gênero e de seus aspectos sociais inseridos, a colocação do
trabalho e suas contradições na sociedade brasileira, são uma defesa urgente e
necessária tendo em vista a dificuldade de apresentar realidades distintas à
nossa, atualmente, permeada por um resgaste e acesso de crianças e adolescentes
que se encontram longes da escola e presentes na rua. Realidade essa que se
modificou com a inclusão de bolsas, maior desenvolvimento do trabalho e
progressismo nacional, principalmente no governo petista. A datação da crônica
trabalhada, longe de ser um fóssil datado por carbono quatorze, está mais num
imaginário recente de outros tempos e memórias de cidadãos que passeavam pela
cidade e viam no trabalho infantil uma luta pela sobrevivência e não a condição
de miséria e empobrecimento daqueles que ficavam à margem do processo de
inclusão por meio do Estado.
A essa condição, as populações
vindas de condições pobres, servis e após o período escravocrata, sentiram em
sua pele e alma, o cravar do rodo em seus calos, ensaboar dos pisos em seus
pés, a poeira em suas narinas, os bicos em suas colunas e vozes em busca de
sobrevivência, o puxadinho feito como moradia e a existência perambular entre o
jeitinho e a delinquência, fruto da falta de políticas sociais e públicas, da
luta organizada para com um trabalho digno e a realização pessoal e social por
meio desse. A nostalgia que muito ronda como aspecto positivado e atraente aos
que rememoram com paixão tempos que sofrer trouxe ascensão fazem, não por
maldade, mas por individualidade, ocultarem o outro lado, o lado daqueles que
não conseguiram, que foram relegados ao esquecimento. A divina manada humana,
em que usamos outros como escada, nos faz esquecer que ao pular em ombros e
saltar o muro, o outro sem apoio é um mero passageiro do que virá a ocorrer.
Resta saber, como o fim da crônica não propõe, onde se encontram essas pessoas
que se esconderam na escuridão de vielas e becos em meio aos seus crepúsculos
individuais e sociais.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, RICARDO. Os
Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São
Paulo: Boitempo, 1999.
CARDOSO,
Adalberto. A construção da sociedade do trabalho no Brasil: Uma investigação
sobre a persistência secular das desigualdades. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
DAVIS, Angela. Mulheres,
Classe e Raça. São Paulo: Boitempo, 2016.
DECCA, Maria
Auxiliadora Guzzo de. Indústria, Trabalho e Cotidiano: Brasil – 1889 a 1930.
São Paulo: Atual, 2000.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de
Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 1985.
MÉSZARÓS, Istvan. Teoria
da Alienação em Marx. São Paulo: Scortecci, 2014.
SOUZA, Jessé. A
Ralé Brasileira: Quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
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