Direito à educação: Autonomia ou Melancolia?

Em um famoso ensaio, Antonio Candido elabora - para a Constituição de 1988 - a defesa do direito à literatura. Neste ensaio, Candido argumenta que o direito à literatura deveria ser encarado como um direito universal tão quanto comer, alimentar, vestir-se etc. Tanto que utiliza o exemplo da União Soviética como possibilidade para a construção deste intento e, não obstante, realiza reflexões entre as relações da literatura com a sociedade. 

 

Pois, acredito, há um bom paralelo para que possamos pensar no direito à educação. Aqui entendo a educação como um valor humano, sensível e que ajuda na formação de um indivíduo que tenha o saber universal, em suma, saber falar sobre os mais variados assuntos e com conhecimento acerca destes. Um desejo que já se encontrava no século XVIII com a burguesia inglesa, perpassa os iluministas mais radicais e encontra em marxistas e anarquistas no século XIX, a possibilidade universal junto aos proletários. Portanto já temos leituras, estudos e sacadas relacionados a que seria uma educação na formação do homem. 

Ao olharmos para o hoje, a educação passa longe da formação do homem universal. Além da confusão entre educação escolar e educação familiar (algo que demonstra as contradições existentes na sociedade e a ideologia reinante), há a produção de um saber empobrecido que não passa de uma cova rasa e sem sentido em conjunto há uma formação preocupante frente a uma quantidade de faculdades ofertando EADs, dicas de leitura, ensino, conhecimento e saberes tão abstratos que poderiam ser emoldurados em uma parede em pedaços. 

Ao lado disso, há a formação docente - precarizada e sem crítica - promove uma aceitação passiva do que lhe imposto. A falta de autonomia só pode ser complementada pelas melhores condições salariais, Um terrível engano que não exprime o prazer no ato educacional, um mínimo prazer. Sem autonomia, o professor não pode exercer o caráter sensível na formação do indivíduo no âmbito universal.

Em seu livro,  Christoph Türcke aponta para uma produção intensa de uma sociedade que não consegue exercitar a paciência, pois convive com as inúmeras tecnologias que sugam sua atenção e promovem um aspecto imediato. A troca de canais, as mensagens instantâneas, a constante inquietação tem feito com a sociedade, aliada à escola, promova uma medicalização intensa e desmedida aos alunos. Pais e docentes, junto a profissionais, tem já identificado desde cedo transtornos e, por meio de remédios, controlar o ímpeto questionador do discente e não promovendo-o a um constante adormecer. 

 

Se André Green em seu ensaio já falava que a literatura é um desligamento que o indivíduo tem de seu mundo para imergir na leitura, seja comprando a ideia do texto, interagindo e imergindo em suas camadas profundas, a educação no modo de produção capitalista pode dizer o mesmo. O desligamento constante, a alienação profunda e a imersão intensa na solidão tem promovido a melancolia. 

Como Freud diz, a melancolia é um luto patológico que sempre retorna sem o seu caráter de superação. A aceitação está longe de formar a educação universal do ser humano, mas tem sido a escolha de docentes, discentes e sociedade para uma reinante sensação melancólica. A possibilidade só pode ser construída com luta, união e crítica da categoria, numa abordagem que rompe e procura a autonomia. Aí, como diria Freud a melancolia passa a luto e assim, com o convívio, a superação deste se torna a lembrança. 

Por fim, um direito à educação que forme a consciência e apresente a essência humana em seu mais alto grau de conhecimento, saber e desejo. Como diria Beto Guedes na canção Sol de Primavera: 

"A lição sabemos de cor/ Só no resta aprender." 

Bibliografia:
CANDIDO, Antonio et al. O direito à literatura. Vários escritos, v. 3, p. 235-263, 1995.

FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. Editora Cosac Naify, 2014.

GREEN, A. O desligamento: psicanálise, antropologia e literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1994.

 

TÜRCKE, Christoph. Hiperativos!: abaixo a cultura do déficit de atenção. Editora Paz e Terra, 2016.

Comentários

Postagens mais visitadas