Crepúsculo, Verônica.

PARTE I: RESUMO E APONTAMENTOS

PARTE I: RESUMO E APONTAMENTOS

Deite-se no sofá, ligue a televisão, aperte ou acesse a Netflix, aprecie o cardápio de seleções e estará lá: Bom dia, Verônica. Original da Netflix, a série retrata a história de Verônica Torres (uma escrivã da polícia civil de SP) que tem sua vida modificada após uma vítima de violência cometer suicídio, na sua frente, na delegacia. Dá-se, então, em perpassar a temporalidade para enfim, uma análise crítica sobre a mensagem da série.

Na primeira temporada, as contradições da personagem se misturam a sua formação. A sua relação amorosa começa a se abalar, as relações no trabalho estão tencionadas seja em conflito - seja em um desejo sublimado ou nas relações sociais -  a dificuldade em proteger os indivíduos a quem se pretende. Tudo isto em duas histórias paralelas, o galanteador que é obcecado por iludir mulheres que realizaram bariátrica e tirar fotos sensuais e nuas destas - após o uso de algum entorpecente na bebida. Na outra história, um tenente-coronel da PM de SP realiza sequestro, sexo e morte de mulheres vindas do Ceará além deste fato, a prática de violência intensa para com a sua companheira.

Verônica vai tentar se situar entre o desejo e as ações. Começa a questionar as ações que são inseridas, passa a questionar as ordens e gerar conflitos para com colegas de trabalho. Nisto, mergulha numa procura sobre si, sobre sua origem e aquilo que lhe move. Perpassando esta jornada na primeira temporada, a protagonista parece lidar com a melancolia. O luto mal digerido da morte de seus pais prossegue na continuação de suas relações e apresenta uma personagem que não sabe lidar com a pressão referente a perda. A fissura existe e passa, ao longo das temporadas, a uma fratura intensa e profunda.

Em suma, Verônica não sabe como lidar com perder, ter uma derrota ou mesmo ficar se controle. É ela que irá procurar controlar todas as ações e efetividades acerca do que tem em sua volta. A própria decisão final demonstra que a defesa da família foi um ato egoístico que pretendia prosseguir e priorizar as suas investigações. Outra característica da personagem, após os variados traumas, é a vingança. Ao se mover com ira, ódio e raiva, a personagem nos apresenta que a vingança e a morte podem purificar e ser um efeito catártico frente a uma aniquilação do outro, contudo, não há, aqui, a digestão da melancolia e do luto.

Na segunda temporada, a protagonista passa a lidar com um antagonista que aqui já demonstra um poder ainda maior. O antagonista é alguém querido e amado - por ser um líder religioso - necessitando assim, criar uma bolha que promove uma aparência frente a essência. A este, há um refinamento referente ao anterior. Se antes, o personagem provocava medo e terror pela sua escala de violência, o posterior já provoca horror e uma sensação desconfortável visível na maneira como toca ou mesmo olha as pessoas ao seu redor. O poder do missionário pode ser verificado com os fins e meios ao qual este se apresenta junto as capilaridades e profundidades do sistema ao qual é trabalhado na série.

Aqui, neste temporada, já nos é apresentado o tema o incesto e a outra posição da mulher. Se antes há uma tentativa de combatividade - silenciada pela morte ou pela ameaça - agora se dá pela submissão e o medo. Nesta temporada, a protagonista precisará estender e confiar em outras personagens para que consiga aliados e prender um suspeito tão poderoso. Diferente da morte da primeira temporada, agora o antagonista é preso e passa a ser seguido o processo burocrático que visa auxiliar e favorecer a força nas instituições.

Em termos de qualidade, debate, construção e os arcos construídos além da imposição inserida, a segunda temporada é a melhor temporada da série. Caso queira assistir somente uma das três temporadas, a segunda é a que mais suscita debates, questões, ações e a que melhor trata temas que vão desde alienação, ideologia, poder, mercadoria, sexo, religião e o debate entre instituição e pessoas, em suma, entre o universal e o individual.

Na terceira temporada, Verônica passa a conviver com alguma estabilidade que é logo abalada pelo sequestro de sua filha. As relações familiares e sociais passam por abalos após seu antagonista, uma personagem que se impõe e apresenta-se como sedutora, ganha sua confiança. Uma personagem que se constrói como cuidadora, carinhosa e que preserva a memória do que lhe foi ocorrida e confunde a protagonista num primeiro instante. No segundo momento, o perfil galã dá lugar a uma voracidade por filhos, o tráfico sexual de mulheres jovens e férteis e a relação de dominação para com todos à sua volta. Não ao acaso, se passa numa coudelaria e as mulheres são tratadas como “éguas” que estão ali para um banquete sexual ao garanhão - homens.

A protagonista passa por um momento novo, pois está ausente do controle da situação em que se coloca e ainda verifica a sua filha como parte do experimento perverso. A mãe, diferente das outras figuras maternas, apoia e deseja partilhar com o filho a sua façanha. Querendo ser jovem, desejada e ter filhos. Uma situação vivenciada e que deve ser experenciada e multiplicada por todas as outras mulheres. Por fim, em um leilão, pessoas com vultuosos valores, compram as mulheres para desejos sexuais. Após serem libertas, as mulheres atacam estes homens e o conflito se estabelece e será trabalhado na segunda e final parte do texto.

PARTE II: Apontamentos E Mensagem

A força de mulheres unidas que confiam em mulheres é sempre reforçada, porém, demonstra a segmentação de uma proposta. O mundo parece habitado por homens maus, mulheres submissas e, aquelas que rompem, são machucadas, perseguidas ou assassinadas pelo machismo.

A série,logo,  e não apresenta algo importante: As contradições e os dilemas destes quem faz o aporte à Verônica. Nelson não sente contradições ou dilemas em relação ao seu desejo e apoio frente a Verônica? Victor Prata não tem insônia ou ansiedade pensando sobre seu apoio a Verônica? Paulo não sente contradições, dilemas e uma crise frente ao que sofre a esposa?. Parece que somente Verônica sofre as contradições e todos os outros devem aceitar o espírito voraz e desejo da protagonista. A própria protagonista parece não sentir muito os dilemas, apenas condiciona seu desejo ao que lhe é imapctada. Quando incendeia o antagonista da primeira temporada, ela não sente vômito, nojo, repulsa ou mesmo sonha com este momento em constância?. Só o mata - como faz com o outro antagonista da mesma temporada - e segue sendo esta a única reparação possível àquele momento.

Outro ponto bem pouco explorado se trata do apspecto religioso que é inserido nos rituais de matriz africana, neopentecostal e o catolicismo. As religiões se coadunam nas práticas que vão demonstrando que as figuras que as fazem, também demonstram interesses perversos e violentos. Os antagonistas não apresentam contradições? Não sentem remorso? Só matam e pronto?. Mesmo atos purificação ou orações não demonstram que as personagens se encontram em meio aos dilemas. Apenas apresentam o sadismo desejo e nada sobre um questionamento sobre:  Como fazem ? O que pensam? Remoem esta dor? Não há um ambiente de entedimento ao que leva a estas ações...

Um ponto forte é a teia que liga todos os protagonistas a um mesmo orfanato e como estes tem relações distintas com suas mães. No primeiro antagonista, a figura materna é substituída pela avó como redentora e purificadora. No segundo antagonista, a figura materna dá lugar a figura filial - que irá preceder o lugar da figura materna numa relação entre o antagonista e filha deste. Um incesto perverso que permite o prolongamento do reduto familiar, mas o esquecimento e morte da figura materna. No terceiro antagonista, a mãe se apresenta como aporte as atrocidades sendo condescendente e incentivadora. Neste caso, se beneficia com as ações e pretende perpetuar o legado de dor ao qual foi submetida.

Uma grande reviravolta na história se dá, quando, a protagonista descobre que também foi uma das crianças no orfanato. Após verificarem o símbolo que há em sua nuca, assim,  Verônica descobre ser filha do Monsenhor Davila e de Diana. Isto culmina na continuação da fratura existente com o golpe final da morte de Diana e assim, o fim do laço maternal existente. Algo como um Édipo Rei versão feminina e no século XXI.

A parte final é que Verônica não para de investigar e procurar justiça, agora, com um grupo de mulheres que foram atacadas e procurarão - pelos seus meios - resolver toda a injustiça contra as mulheres. Verônica passa a ser a justiceira feminina que combate a dor e a crueldade que reina num mundo de homens maus, perversos, machistas e misóginos. Toda a reparação histórica e crítica será feita com as mãos e punhos de mulheres que sabem o certo, não tem contradições e serão a bússola moral da sociedade.

Logo, a mensagem é caótica, terrível e péssima. Não existe outro tipo de sociedade! Ninguém pede o fim do capitalismo! As mulheres só podem lutar como mulheres em seu porte individual sem a força de um movimento feminino não que convoque ações e promove lutas nas ruas. Nisto, as ações são individuais e não produzem nada radical e contundente para trazer uma nova sociedade. Se substituirmos os homens por mulheres, o fim da exploração, violência e das angústias nesta sociedade não irão sumir? Pois a sociedade que produz o homem perverso e doentio, produz a mulher que acaba por ser perversa e doentia. Sem contar que as demandas de mulheres trabalhadoras nem são tratadas no decorrer da série. A série não toca sobre: O que passam e sofrem as mulheres subalternas e trabalhadoras nesta sociedade? O que comem? Vestem? Qual a violência que passam em um ônibus ou mesmo na empresa que trabalham? Os baixos salários que são inseridas? A carga de trabalho em casa? Verônica irá invadir estes espaços para torturar estes homens? Sem dúvidas, não.

Afinal, não se trata de findar a sociabilidade capitalista. Sua alienação, melancolia irão prosseguir, pois só faz sentido a existência de Verônica esteja ausente uma perspectiva radical e de emancipação humana. A única justiça possível é aquela que Verônica e suas colegas pensam, em suma, a manutenção desta sociedade para que seja possível culpar os indivíduos doentios produzidos no capitalismo. Não se trata de saber que sociedade produz estes indivíduos, mas se estes existem, é preciso dar fim a eles. E agora, Verônica?

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