O Valor da Idade
Um dia eu estava a pensar o motivo que fazem das pessoas acharem, que os negros aparentam menos idade do que tem. No ônibus vi uma conversa esses dias, em que mulheres destilavam suas argumentações ao fato.
- - Conhece a Dolores?
- - Sei sim, como não?
- - Ela tem 70 anos, nem aparenta!
- - Ela é negra, negros aparentam ter menos idade
- - É verdade.
Não conhecia Dolores, mas os exemplos borbulhavam em minha mente. Um dia na panificadora aqui perto de casa, as atendentes ficaram confusas com relação entre eu e a minha mãe e realizavam pequenos esforços para acertar o que éramos.
- - É sua irmã? Nossa, parece.
- - Seu esposo? Não, meu filho.
- - Uau, muito jovial.
- - Meu deus! Me conte o segredo de sua beleza.
Aquilo me incomodava, meu sono se ia e minha curiosidade deixava se tomar em minha mente, o álcool se deixava companheiro junto a filmes, livros e toda parafernália cultural que tivesse acesso desde que encontrassem razões para cessar minhas dúvidas. Folheava as gravuras de Debret , O Mulato de Portinari em minha pesquisa na internet e nada disso refletia as condições que se assemelhavam a argumentos convincentes. As mídias, a bombardear exemplos, borbulhavam e reafirmavam a realizar um julgamento positivo sobre a questão da idade em um negro, como se fossemos amostras de um valor a ser seguido por nossa idade.
Cantores, atores e jogadores negros posavam com um ar simpático, jovial e sempre com um valor de uma idade que não aparentavam. Exemplos que sufocavam a minha garganta sem que meu grito exalasse a questionar, a trazer outras perguntas.
Cantores, atores e jogadores negros posavam com um ar simpático, jovial e sempre com um valor de uma idade que não aparentavam. Exemplos que sufocavam a minha garganta sem que meu grito exalasse a questionar, a trazer outras perguntas.
- O que houve aqui? Quais são estes rostos?
- Qual o motivo de tamanha diferença?
- As gravuras são tão diferentes do real.
Um dia, cansado e amargurado com tantas perguntas encontrei Divina, empregada negra de uma casa aqui perto e questionei o motivo dos negros serem tão jovens.
- Uai, meu sinhô eu nunca me senti tão jovem. Sabe essa casa, trabalho nela fazem 35 anos, não tem casa minha, nem comida minha até as roupas são doadas. É capaz deu cair morta e o chão que caio não ser meu. Ás vezes, a necessidade faz a gente parecer ter vigor, ter força, mas não me sinto nova não.
Eu a fitei com meus olhos semicerrados, de insônia e embriaguez, talvez, percebendo o fato, Divina prosseguiu com suas argumentações.
- Oiá, o que me mantém jovem é ver meu filho na faculdade, dar o de comer a ele. Ele vive nessa casa comigo fazem 20 tantos anos, meu corpo sentes dores da idade, mas se renova quando o vejo como um sinhôzinho pronto. Sabe, nem ligo para o sol que tomei, as rugas que tenho, se me acham jovem ou velha, vejo meu filho e sua realização e logo me dou conta de que sou jovem.
Divina se despediu com um até e foi buscar comida para o Senhor Nélson Palhares, morador da rua haviam 50 anos e que com o tempo ia se escondendo da gente, talvez sugando energia de algum lugar ou a jovialidade dos que residiam em sua casa.
Talvez, fosse o que Divina disse, talvez tenha ficado comovido e bêbado mais tarde, mas aquelas palavras me dilaceraram. Aí que me dei conta, que os negros nunca enganavam sua idade, suas rugas, suas dores. Os negros enganavam a sua condição de negro, se a escravidão acabara, outra escravidão surgia.
O negro agora era assim como Dolores, como Divina e até minha mãe. O seu valor de idade, não condizia com seu valor de trabalho, seu desgaste. Seja qual trabalho for, o negro volta e renasce, quando vê que a possibilidade se abre em meio a algum sinhôzinho que escapou da sina de idade, sua sina de trabalho.
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