Subjetividade e Objetividade: Dilemas
Andando na rua, mesmo na calçada, refletindo no parque ou contemplando a paisagem, o ser humano parece estar em constante questionamento para com a sociedade em ele está inserido. Ao passo que se avança nestas questões, o ser humano encontra na sociedade a produção daquilo que o humaniza a desumaniza.
As suas necessidades básicas são comercializadas, a obrigação imposta pela troca de seu tempo por salário lhe é estranha, mas aceita em meio ao mar de miséria que assola àqueles que não estão inseridos nesta lógica, o lazer é cooptado por inúmeras ações que mais apresentam um momento de hibernação que exteriorização.
Ao passo que avança os dilemas próprios à natureza humana, criam-se as explicações para àquilo que há em volta. Emergem religiões, estado, guerras, ciência, saber, razão, desejo, ética, moral, implicações, contradições para justificar ações ou fenômenos recorrentes ao longo da história.
Surge então uma dúvida cruel: Seria o ser humano uma mera esponja que absorve o que se apresenta socialmente ou um ser que demanda exigir sua individualidade a tal ponto que o aspecto social somente absorve esta subjetividade?.
Marx foi o autor que mais soube trazer este processo acerca da ação social sobre o homem. Ao analisar o capitalismo, Marx percebeu que este exerce fatores que inibem o desenvolvimento social e individual do ser humano.
Por um olhar iluminista (em sua radicalidade do homem universal), o autor alemão percebeu os inúmeros dilemas que fazem com que o ser humano se especialize [a necessidade capitalista para com a produção], o tempo social [dedicado mais ao trabalho que para os desejos do ser humano], o salário [pagamento pela troca da produção de mercadoria pelo tempo de trabalho exercido] etc.
Marx percebeu que o fenômeno social produzia no ser humano uma subordinação a este. A retirada de sua subjetividade era alçada em prol da objetividade capitalista e necessária a sua sobrevivência. O tempo para se dedicar aquilo que realizava era retirado pela burguesia por meio do tempo de dedicação ao trabalho, dando ao ser humano uma aparência contra a sua real essência.
Coube a Freud fazer um caminho inverso, apresentar o que ocasionava no indivíduo - e em sua subjetividade - os processo ocorrentes por parte da sociedade. A este ponto, alguns autores já percebiam os reflexos da sociedade no indivíduo [até mesmo Marx], porém a habilidade de Freud foi elencar este aspecto com um método e uma organização que possibilitavam a percepção e a ocorrência destes.
Freud compreendeu que a subjetividade do ser humano captavam estas ações e desenvolvia maneiras para lidar com estes pontos. Uma de maneira aparente para com eu(eu ou ego), outra ampliando seu eu (supereu ou superego) e outra uma instância em que esta repressão prosseguia e se manifestava em um estado da falta de repressão do ser humano (id). A falta de uma repressão destes impulsos e desejos, aliados a somatização destes no corpo do indivíduo, permitiram analisar as ações que o indivíduo tem por parte do que é feito pela sociedade.
Quase como uma luta corporal, o ser humano transmite um duplo recibo: A ele ocorre o reconhecimento de sua instância e essência subjetiva em conjunto as necessidades e desejos objetivos. Essa luta gera as contradições em que o ser humano não se realiza, pois reprime a sua realização e subjetividade e nem seus desejos e necessidades. Os fenômenos devolvem tal qual água no vidro, refratado e confuso como o que aparenta ser - mas não é - e a impedimento da evidência - isto o é.
Confuso como Ícaro ao chegar perto do sol e ver-se caindo, o ser humano se pergunta sobre o que leva a tamanha queda de suas vontades. Estranhamente, a reflexão é um pouco mais profunda, porém com uma saída possível.
A reflexão que se dá é que o a subjetividade e a objetividade são indissociáveis e, portanto, o ser humano tanto se constrói em sua individualidade como se constrói em sociedade. A garantia desta harmonia se dá quando se insere uma união que permita a garantia da perpetuação da experiência humana em sua maior plenitude junto do respeito e liberdade de exercer aquilo que lhe realiza individualmente.
A união permite que o tempo a ser gasto seja mínimo e somente para garantir a sobrevivência e abundância necessárias à dedicação de atividades mais prazerosas e de gozo individual. A demanda de aprendizagem poderá formar um ser humano que encontrará a simetria entre teoria e prática. Cursos de marcenaria, carpintaria, mecânica poderiam andar lado a lado com cursos de música, cinema, teatro e literatura. O aprendizado não atenderia a uma lógica competitiva ou a uma lógica bruta de captação determinada do tempo. Compreenderiam como uma formação continuada e possível desde que isto fosse o desejo da indivíduo.
Alimentando este desejo, as aparentes contradições entre o ser e o ter sumiriam, a repressão que se manifesta somatizada seria tratada e trabalhada a atender ao máximo o seu prazer. Esta sociedade só será possível com o fim do modo de produção capitalista e o surgimento de uma sociedade autogerida.
A sociedade autogerida (neste caso, gestão dos trabalhadores) levará com que os trabalhadores (todos aqueles aptos ao trabalho) tomem as decisões e as necessidades a serem tomadas por essa sociedade. As deliberações serão mais sobre produzir alimentos de maior qualidade do que se as pessoas devem usar azul ou rosa para caracterizar algum gênero. Seria o encontro entre o subjetivo e o objetivo na formação do ser humano como ser individual e como ser social.
O avanço para esta sociedade só se dará por meio de estudos, um compromisso radical e uma crítica desapiedada ao modo de produção capitalista. A este desejo reside o empenho de ir além do que nos é colocado como possibilidade ao passo do avanço, sairemos da nossa visão de Harpagon e iremos mais para a nossa visão de Cléante.
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