A CARNAVALIZAÇÃO BAKHTIANA DO FILME HERMANOS

RESUMO:

O presente artigo analisa Hermanos do diretor venezuelano Marcel Rasquin ao apontar o ambiente e os seus personagens e como estes são expostos às mudanças sociais e os processos que o futebol e a inversão se propõem a discutir. Será utilizado Bakhtin e Da Matta como aporte teórico a ocorrência da carnavalização no filme.

Palavras-Chave: Hermanos, Carnavalização, Inversão.



INTRODUÇÃO

Mikhail Bakhtin analisa o carnaval e os variados ritos recorrentes na Idade Média e o Renascimento, o teórico russo percebe que ocorriam manifestações sociais que invertiam a ordem ali implantada, principalmente, a da igreja fazendo desta festividade um ritual pagão.

Para o estudioso russo, o carnaval constituía um conjunto de manifestações da cultura popular medieval e do Renascimento e um princípio, organizado e coerente, de compreensão de mundo. O carnaval, propriamente dito, não é, evidentemente, um fenômeno literário, mas um espetáculo ritualístico que funde ações e gestos elaborando uma linguagem concreto-sensorial simbólica.(SOERENSEN,2011,p6).



Tais manifestações também são encontradas e discutidas no livro O que faz o brasil, Brasil? Roberto da Matta, antropólogo brasileiro, debate a carnavalização e as influências provocadas na sociedade. Seus costumes, seus ritos e seus processos que são na contemporaneidade e a manifestação destes no Brasil e como são parte da identidade e do findar da hierarquização recorrente no país e que encontra no Carnaval a sua provisória abolição naquele contexto e no determinado tempo em que ocorre a festa. A metodologia utilizada pelo autor pode ser aplicada em qualquer contexto ou sociedade em que ocorram os conflitos e a inversão como proposta no filme.

O Rei Momo, Dionísio, o Rei da Inversão, da Antiestrutura e do Desregramento, coloca agora uma possibilidade curiosa e, por isso mesmo, carnavalesca e impossível no mundo real das coisas sérias e planificadas pelo trabalho. Ele que sugere um universo social onde a regra é praticar sistematicamente todos os excessos!. (DA MATTA, 2010, p73).

Esses processos descritos se fundem no imaginário social e permitem que se espalhem por meio de máscaras que inibem o rosto e o transformam em uma persona, tal qual, observamos no carnaval.

Essa ocorrência é perceptível nas classes mais baixas que usam da liberdade encontrada pela sociedade eliminar a hierarquização das mazelas recorrentes ao extravasar, liberar aquilo que é encontrado ali naquele espaço tendo convívio em muitos momentos com a violência.

O corpo individual deixa, até certo ponto, de ser ele mesmo e se une aos demais ao travestir-se por meio de fantasia e máscara – exigência a todos os corpos individuais para formar um único corpo. (SOERENSEN,2011,p5).



A Carnavalização em Hermanos


A inversão no filme do diretor venezuelano Marcel Rasquin é recorrente a quase todo momento, sejam pelas festas, pela violência recorrente no tráfico pela favela ou pelas relações que são desenvolvidas no decorrer da trama. Filmada numa favela da Venezuela e retratando o cotidiano de dois jovens que buscam mudar de vida por meio do futebol, HERMANOS, 2010, mostra muito do nosso cotidiano. Ao expor as mazelas e todas as relações de conflito existentes entre os personagens a película transparece que por meio de um campeonato de futebol ou das festas ocorridas ali na favela, todos se fundem em um pensamento de liberdade e da inversão que ocorre em um determinado período e momento.

Dois personagens são centrais para esse desenrolar, Daniel interpretado por Fernando Moreno e Julio interpretado por Eliús Armas, que ao decorrer do filme apresentam dois perfis. Julio era um negociador do tráfico na favela, sua paixão por futebol ficava secundário feito às tomadas de decisões as quais teve, pela consciência do dinheiro e da liberdade que este dá.

Daniel, por outro lado, aparece sem a necessidade do dinheiro, sua paixão por futebol era prioritário fazendo com que não liberte suas necessidades nas festas. Uma das frases marcantes para essa relação ocorre quando Daniel recusa o álcool em preparação para um treinamento enquanto o irmão pede para que ele beba e que saia um pouco do seu jeito “certinho”.

“Vamos Daniel, beba um pouco, dance um pouco, quem sabe você assim consiga uma mulher, consiga sair desse seu jeito meio afeminado e centrado...”.

Essa frase revela, além do machismo naquele mundo, as relações no espaço inserido e como o futebol traz um status naquele ambiente em que vivem.



Segundo Bakhtin (1981: 105) o que se abolia, principalmente, durante o carnaval era a hierarquia. Leis, proibições e restrições, padrões determinantes do sistema e da ordem cotidiana, isto é, extracarnavalesca, são suspensas durante o carnaval: ―revoga-se antes de tudo o sistema hierárquico e todas as formas conexas de medo, reverência, devoção, etiqueta, etc., ou seja, tudo o que é determinado pela desigualdade social hierárquica e por qualquer outra espécie de desigualdade (inclusive a etária) entre os homens. (SOERENSEN,2011,p6).



Outro acontecimento que aproxima os irmãos é a morte da mãe, em que, Júlio em busca de vingança pede ao irmão o nome do assassino para que assim pudesse fazer justiça, após muito tempo e várias brigas, o técnico do time de futebol do time ao qual eles jogam diz a Júlio.

“Você não sabe o que ele teve de fazer para lhe trazer aqui, teve de esquecer uma morte e não dizer quem é o assassino da sua mãe...”.

Penso que o carnaval é basicamente uma inversão do mundo. Uma catástrofe. Só que é uma reviravolta positiva, esperada, planificada e, por tudo isso, vista como desejada e necessária em nosso mundo social. (DA MATTA, 2010, p74)



E nesse instante que Daniel ataca o assassino e a briga se generaliza e ocorre à morte de Daniel e ao então, ao final do filme, Júlio consegue jogar no time do Caracas que eles priorizavam tanto conseguir fazendo assim a mudança social e a liberação de todas as mazelas que ali são encontradas.



Considerações Finais


Portanto o filme Hermanos de Marcel Rasquin abrange a inversão proposta pela carnavalização bakhtiana. Daniel e Júlio são importantes para adentrar ainda mais no universo debatido por Bakhtin e de Da Matta, a uma hierarquia social implantada. A violência, a festa e o futebol são problematizados e destacados como agentes desse processo visto pelos autores e como eles atuam na sociedade a fim de extravasar e liberar toda a repressão e mazela alocada no espaço em que se encontram.



Referências Bibliográficas

SOERENSEN,Claudiana. A Carnavalização e o Riso Segundo Mikhail Bakhtin. Revista Travessias. ED. XI, 2011.



DA MATTA, Roberto. O que faz brasil, Brasil?. 2010, Rocco.



Hermanos. Marcel Rasquin. 2010. Venezuela.

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